A frase “imagina na Copa” nos acompanhou por muito tempo desde que a Fifa anunciou que o Brasil sediaria o evento. Usado aos rodos na rede, foi aproveitado por marcas e até virou refrão de uma música da dupla Fernando & Sorocaba.
E assim que o evento acabou, quem viveu esses 32 dias de festa adotou o “que saudade da Copa”. Estou nesse time de saudosos e por isso venho contar em um textão desses dias incríveis que vivi no ano passado, exatamente um ano depois da Copa do Mundo começar pra mim.
Antes acho que preciso dizer que não torço para a seleção brasileira. A história é longa mas para resumir, após ver meu avô triste com a derrota italiana em 1994, adotei a seleção de Roberto Baggio como minha. Amor esse que marquei na pele, já que exibo orgulhoso o scudetto tatuado na perna.
Por esse amor, no primeiro sorteio comprei um pacote para seguir a nazionale italiana que trazia os 7 ingressos, do primeiro jogo até a grande final, caso a Itália chegasse.
E foi em Manaus, quase 4 mil quilômetros distante de São Paulo, que tudo começou. Itália e Inglaterra, em um dos estádios mais bonitos do Brasil.
Cheguei na cidade na madrugada do dia 13 e fiquei na casa de um casal amigo, em Ponta Negra. Por minha sorte, era lá onde estava rolando a Fan Fest, espaço montado pela Fifa e prefeituras das cidades-sede com telão onde todos os jogos eram transmitidos. Conheci o centro de Manaus no próprio dia 13 e ali pude sentir a primeira vibe de viver uma Copa: muitos ingleses suando pela cidade, mostrando suas tatuagens do Liverpool, United, Arsenal e pose de hooligans curtindo a vida.
Estive no belíssimo Teatro Amazonas e pude assistir o ensaio da Accademia di Roma Santa Cecília. Fiquei com vontade de retornar à noite para a a apresentação, mas Ponta Negra é um pouco longe do centro e troquei o programa por um jantar típico. Nunca tive problemas com programas de turista e fui ao Bar do Armando e o Banzeiro, lugares recomendados em todos os guias do torneio para estrangeiros. Também conheci a Casa Azzurri, que foi onde a nazionale se reuniu para jantar enquanto estava na cidade.
O jogo foi um espetáculo. Além da emoção de reencontrar os azzurri em campo, poder consumir cerveja no estádio é algo completamente diferente para quem frequenta jogos de futebol. Os copos criados para a Copa do Mundo merecem um capítulo à parte: Coca-Cola e Brahma criaram artes exclusivas para cada partida, com bandeirinhas de cada confronto na primeira fase.
A Itália jogou muitíssimo bem no calor da noite manauara [o jogo começou às 19:00 no horário local] e saímos com uma vitória de 2 a 1. [Balotelli e Marchisio para a azzurra e Surridge para os ingleses] Naquele jogo, tinha certeza que chegaríamos na final.
Aproveitei o dia seguinte e fui ver o encontro dos rios, visitei uma tribo indígena – e me surpreendi ao ouvir que faz parte de sua cultura sequestrar mulheres para casar e bater com uma varinha em crianças de 4 anos como prova de força -, nadei com botos, abracei bichos-preguiça, vi vitórias-régias e “pesquei” tucunarés.
O próximo jogo seria contra a surpresa do grupo. A Costa Rica havia ganhado do Uruguay em em sua estreia por 3 a 1. Voltei pra São Paulo e fui à Recife, onde seria o segundo jogo.
Já tinha estado na cidade para a Copa das Confederações um ano antes [Itália 4 x 3 Japão] então curti a cidade mais tranquilamente. Fiquei na casa de um amigo que mora em Olinda, o que me deixava um pouco longe do centro de Recife. Mesmo assim, tive tempo para andar de novo pelo centro e conhecer o Espaço do Frevo.
O jogo foi marcado para às 13:00, o que já seria um problema se fosse no sudeste… no nordeste esse problema triplica.
Já conhecia o estádio [a Arena Pernambuco foi o estádio de Copa em que mais estive no Brasil] e fomos algumas horas antes por conta da distância. Nesse jogo, estava levando um Pirlo grande e teve até registro da NeTV.
Foi em Pernambuco que a Itália perdeu seus sagrados pontos e a Costa Rica surpreendeu de novo e saiu do jogo classificada para a próxima fase. Vão dizer que é desculpa, mas o time italiano sentiu demais o sol forte. Eu mesmo que estava no conforto da cadeira, com cerveja gelada na mão, senti.
No dia seguinte ao jogo, fui para Natal de ônibus.
Passei a primeira noite em um hostel de Ponta Negra e no dia seguinte fiquei na casa da mãe de uma amiga. Tentei visitar o forte dos Reis Magos, mas como foi dia de jogo do Brasil, a atração estava fechada. Mesmo assim, fui até o forte e me surpreendi no quanto é pequeno. Tinha estado lá quando criança e minha lembrança é de que era enorme.
Assisti ao jogo do Brasil contra Camarões debaixo de chuva e com os pés na areia da Fan Fest. Fiquei animado com a possibilidade de tempo fechado no dia seguinte, já que a Itália jogaria novamente às 13:00.
Com um lindo tempo nublado, conheci a bela Arena das Dunas, o estádio mais bonito em que estive durante o evento. Aproveitei o clima de decisão e cheguei cedo para curtir as atrações. Uma coisa legal da Copa – que deveria ser pensada para outros eventos de futebol – foram os espaços montados pelos patrocinadores.
Ao chegar no estádio, você entrava em uma espécie de feira. O Itaú pintava seu rosto e distribuía cachecóis com as cores das seleções. O banco também vendia um cartão pré-pago personalizado com os dados da partida. A Coca-Cola distribuía patchs e tatuagens das seleções, além de criar filmes da ola de #todomundo. A Budweiser além de transmitir outros jogos em telões, exibia o troféu de Man of Mach entregue ao final de cada partida para o melhor em campo e a Sony dava uma foto instantânea com a data e dados do jogo. Tinham outros patrocinadores como Continental e Johnson, que distribuíam brindes menos personalizados, mas os citados eram os mais concorridos.
E foi em Natal que dei adeus à minha seleção. Nem as condições de tempo ajudaram os azzurri, que tiveram Marchisio expulso e Chielini mordido. Ao terminar o jogo, em meio a torcida italiana, chorei.
Fiquei mais de uma hora sentado pensando no que fazer e que a Copa tinha acabado ali. Já tinha vôo comprado para os demais jogos da Itália e com certeza seriam passagens perdidas…
Esperei o ônibus com a delegação italiana deixar o estádio para dar um definitivo arrivederci aos jogadores.
Voltei para Recife, onde assisti Alemanha e EUA. Tinha chovido muito em Recife e as ruas estavam completamente alagadas. Como o estádio fica em outra cidade e é longe pra caramba, cheguei atrasado, logo após a execução dos hinos.
Na arquibancada entre torcedores alemães fanáticos e americanos mais preocupados com a diversão, fiquei feliz em encontrar um dos ídolos da minha infância no banco americano. O técnico Klinsmann montou uma grande seleção, mas não foi páreo para os campeões alemães.
Passei o jogo torcendo por um gol de Klose, que o colocaria como maior artilheiro das Copas, mas infelizmente o gol não saiu. Ao final da partida, comi algumas das tapiocas da Fifa, como eram chamadas.
Descobri que mesmo com a eliminação italiana poderia tirar os ingressos até a final do primeiro colocado do Grupo D, assim passei a torcer para a Costa Rica. :p
Assisti alguns jogos na Fan Fest de Recife, que foi a mais simples do Brasil por conta de uma recusa da prefeitura da cidade em pagar parte dos custos. No entanto, pegada ao Paço Alfândega, podia-se garantir uma ótima vista do telão subindo até o terraço.
No dia 29, fui conferir meu último jogo em Recife. Costa Rica contra Grécia foi um jogo fraco, mas foi muito legal assistir a seleção para quem estava torcendo ganhar os penaltis do camarote da Arena Pernambuco.
Aqui preciso falar dos aeroportos. A Copa deu um upgrade para quem estava acostumado a viajar. Todos os embarques tinham espaço com telão da Budweiser, espaços da Visa para descanso com pebolim, jogos e videogames com Fifa World Cup, além das personalizações e artes criadas pela Coca-Cola e Budweiser, que nos recebia em cada aeroporto com guia da cidade, garrafinha de refrigerante e lata de cerveja.
Além disso, mesmo tendo pegado mais de 10 vôos, não tive problema nenhum com atrasos, que eram tão temidos por todo mundo.
Voltei pra São Paulo e conheci por dentro a Arena Itaquera. Bonito estádio, banheiros em mármore e arquibancada provisória, assisti aos hermanos da Argentina garantir vaga para as quartas de finais nos minutos finais da prorrogação, com gol de Di María.
Nesse jogo conheci a união da torcida hermana. Gosto muito do Racing e fui ao jogo com a camisa da equipe de Avellaneda. Ao participar da torcida cantando antes do jogo, me vi abraçado com torcedores do Boca, River e mesmo do Independiente, todos unidos por uma só paixão: a Argentina.
Seguindo a Costa Rica, fui a Salvador assistir ao jogo contra a Holanda. A cidade se tornou uma grande festa, uma Vila Madalena 24 horas por dia.
Além disso, teve a mais linda Fan Fest, instalada à beira-mar no Farol da Barra. Assisti ao jogo da Alemanha e França e depois o do Brasil contra Colômbia. Terminei a noite comendo um peixe vermelho – que claramente serve mais de uma pessoa – no Portal do Mar.
Cheguei na Fonte Nova cedo e acompanhei o jogo da Argentina no bar da Budweiser. Encontrei uns torcedores italianos com camisa do Salernitana e quando fui confraternizar, me disseram para torcer em outro lugar, já que eu era interista [estava com uma camisa da Internazionale]. Achei esse tipo de postura completamente idiota, ainda mais após ter torcido com os argentinos.
Torci pela Costa Rica, que segurou o fortíssimo ataque holandês e levou o jogo para os penaltis novamente. Dessa vez, os costa riquenhos não se deram bem e saíram, sem perder um único jogo, mesmo tendo disputado partidas contra três campeões mundiais.
Vivi um dos momentos mais legais depois desse jogo. Estava tirando fotos do estádio e o craque Robben veio entregar o filho para a esposa bem onde eu estava.
Terminei minha estada em Salvador comendo o acarajé da Cira e me preparando para a semifinal entre Holanda e Argentina que aconteceria em São Paulo.
Assisti a essa partida um dia após o fatídico 7 a 1. Fui para o jogo com a camisa alviceleste e enrolado na bandeira italiana. Se em todas as partidas podíamos ver muita gente com camisa do Brasil, nesse jogo foi diferente. Pouquíssimas pessoas com camisas amarelas e muita gente com camisa do São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Flamengo… a camisa amarela foi trocada pela do clube do coração.
Engrossei os cantos dos torcedores argentinos, que trocaram o “Brasil, me diz como se siente” por “Brasil, me diz como se siete“. Em um jogo truncado sem grandes momentos dos atacantes, seguimos para os penaltis. E assisti no meio dos hermanos, e com o nervosismo de um torcedor, os penaltis que garantiram Messi e cia na final no Rio de Janeiro.
Cheguei ao Rio durante a partida pelo terceiro lugar e fui direto para a Fan Fest em Copacabana. Ao seguir do Galeão para a praia, o taxista resumiu o sentimento do carioca: “O Brasil jogou duas vezes em Fortaleza e Minas e nenhuma aqui… e agora tem argentino por todo lado. É o maior pesadelo.”
Ao chegar na Fan Fest, entendi todo o desespero do taxista. Copacabana havia se tornado um grande aglomerado de camisas azuis e brancas. Curti a noite na praia e fui pra casa de um casal de amigos queridos na Tijuca. O Maracanã um dia antes da Final era a coisa mais linda de se ver. Iluminado, com grandes cartazes da final e bandeiras argentinas e alemãs. Naquele momento, senti que estava no centro do mundo.
Nunca vi um esquema de segurança como o do dia da final. Passamos por umas 4 barreiras de policiais, sendo revistados e tendo que mostrar o ingresso em cada uma delas. Fui a esse jogo com meu irmão, que torce para a Argentina por uma influência da minha avó, uma longa história que leva até a Mendoza.
Entramos no estádio e com os lindos copos da final nas mãos, vimos o show de Ivete Sangalo, Shakira e Santana.
Estar no Maracanã naquele dia 13 de julho pode ser descrito como um dos melhores momentos da minha vida. Se conhecer o estádio em um jogo comum já é incrível, para a Copa do Mundo é ainda mais. Tinha estado um ano antes no estádio para assistir a México e Itália e é incomparável. A superprodução que envolve um evento desse porte deixa as coisas muito mais espetaculares. Luzes nas cor alemã e argentina, fogos de artifício e muita gente envolvida na produção de tudo.
No jogo, a Argentina mostrou tudo o que não tinha mostrado antes na Copa. Se havia passado sempre de raspão, como na partida contra a Suíça, contra a Alemanha a equipe jogou como nunca. Tanto que a torcida ficou confiante no intervalo de tempo.
Na prorrogação, os alemães marcaram e novamente estava em meio a uma torcida chorando sua derrota. Assistimos a entrega de prêmios e, ao sair do estádio, fomos hostilizados por todos os fluminenses que estavam no entorno do estádio.
No dia seguinte, passei pelo Maracanã e vi a decoração da Copa sendo retirada. Muitos argentinos pareciam ter dormido fora do estádio, ao mesmo tempo que muitos turistas tiravam fotos em frente ao palco da final.
Segui para a estação de metrô, que havia sido decorada com um tapete simulando grama por uma patrocinadora. Ali me dei conta de que sentiria muita saudade daqueles dias.