Se conheceram em um café no centro da cidade. Ele pediu um expresso duplo, ela um Frappuccino com leite desnatado. Os pedidos foram trocados, o que os forçou a trocarem também algumas palavras e em seguida telefones.
Na verdade, talvez tenham se conhecido na fila do banco, na qual a espera e a falta de paciência os levaram a conversar. Ou talvez o encontro tenha ocorrido em uma dessas festas estranhas com gente esquisita, que tocava jazz e onde ouviram juntos pela primeira vez “I Put a Spell on You”, que então se tornou a trilha sonora dos dois.
Não importa. A verdade é que nenhum deles se lembra de como aconteceu, porque simplesmente não teve importância.
Não viajaram para Paris nas férias e nem passaram o final de semana na praia. Não tiraram fotos, nem se escreveram longas declarações ou pequenos bilhetes de “eu te amo”.
Ele não foi odiado pela família dela e nem ela amada pelo cachorro dele, que não fazia festa toda vez que ela o visitava, porque ela nunca o fez. Nunca viram clássicos do cinema juntos, nem discutiram durante um filme, porque ela não parava de falar do problema com o chefe e sobre como é maçante o trabalho no mercado financeiro.
Ela nunca fez para ele seu famoso espaguete à putanesca e ele nunca escolheu um vinho que combinasse com o prato.
Nunca passaram a noite entrelaçados, aconchegados. Nem observaram um ao outro enquanto dormiam e sentiram a paz que amar aquele frágil e fantástico ser humano poderia proporcionar.
Não se amaram, pois não permitiram que isso acontecesse. Não se envolveram, porque ambos acreditavam que não eram as “pessoas certas” um para o outro. Nem sequer se conheceram direito, pois escolheram ser pragmáticos e não perder tempo com quem era indiferente.
Preferiram a simples troca de fluídos, ao invés da troca de carinho. Uma única noite mal dormida, ao invés de várias bem vividas. Uma despedida prematura e uma vida sem a companhia um do outro, ao invés de se aproveitarem por mais um final de semana, por um mês ou para sempre, até que o para sempre chegasse ao final.
Se deixaram passar, se foram, se esqueceram. Um amor que não aconteceu.
Ambos se sentem sós e sonham em encontrar alguém com quem ouvir “I Put a Spell on You” ou que tope passar as férias em Paris. O que nenhum percebeu é que já teriam achado, se tivessem se visto como uma oportunidade para isso.
Em terra de cego, quem encontra o amor é porque entendeu que é preciso enxergar dentro do outro e além do seu próprio umbigo.