O Carioca
Ela odeia ir ao Rio. Não pela cidade, que sempre achou maravilhosa ou pelo calor desconfortável de 40º, mas pelo incômodo real de lembrar-se dele a cada esquina que dobra, a cada barba que encontra pelo caminho, a cada curva da paisagem que remete às curvas de seu cabelo caindo pela testa. A falta dele na cidade a deixa sem fôlego, assim como a possibilidade de um encontro casual e improvável.
Estar de volta no lugar dele, faz com que ela se sinta mais perto e cada vez mais longe daquele que a faz sentir saudades até do gosto do hambúrguer de soja que foi obrigada a comer da última vez que se viram. O sabor intragável do lanche só não supera o amargo da vontade adormecida de vê-lo novamente. Ela sabe que tudo não passa de nostalgia, de esperanças infundadas e expectativas frustradas, pelo não querer de alguém que um dia mostrou que queria tanto. E mesmo que já tenha vivido outras dores e muitas alegrias depois desse capítulo de sua história, ainda odeia ir ao Rio.
A Insubstituível
Ele foi casado por quarenta anos. Viveu um amor desses que a gente pede aos santos e canta nas músicas: “tranquilo e com sabor de fruta mordida”. Mas teve que assistir a protagonista de seu romance de cinema ir embora.
A partida irremediável e dolorosa levou a eterna namorada, mas não as experiências que tiveram juntos. Depois da calmaria ficou a saudade das longas conversas, do companheirismo, da amizade, dos jogos do Corinthians que viam aos domingos, sempre temperados com carinho e com o sabor das comidas que ela preparava.
Mas ele sabe que onde quer que ela esteja, continua presente e agradece por tê-la tido por tanto tempo. Sabe também que a melhor forma de perpetuar seu amor é dedicando-o a si mesmo, à nova vida, aos novos amigos e à peregrinação, que o faz lembrar de que cada dia deve ser aproveitado ao máximo. Viaja pelo mundo protegido por ela, carregando consigo boas lembranças e acompanhado da liberdade que só o verdadeiro amor pode proporcionar.
A Onipresente
Como frio ou calor, não há quem não sinta ou como medo, quem não tente superar. Saudade só se faz presente na ausência e bate de tempos em tempos, como uma forma de nos lembrar de que o que passou foi bom.
Às vezes fica tão grande, que é pior do que fome. Não passa quando a gente dorme e cresce quando alimentamos. Quando fica chata e a gente ordena que ela passe, questiona o porquê de ter que ir, já que não é ruim. Não sabe que ser boa não significa que não tem o poder de magoar.
Mesmo quando a gente dá asas a ela, há uma recusa em partir, porque vai ver, sei lá… No fundo ela tem medo de morrer ou de provar de seu próprio (e doce) veneno. Por isso, o mais sábio é entendermos que é possível viver com ela e é até gostoso cutucá-la de vez em quando. Porque só assim conseguimos enxergar que, sentir falta do que já passou é a melhor forma de percebermos que o que vivemos valeu a pena.