Quando tinha 10 anos, Hugh Jackman queria se matricular em uma escola de dança, mas desistiu quando seu irmão mais velho o chamou de maricas. Hoje, o mesmo ator canta e dança em seu projeto mais pessoal, que começou a ser trabalhado em 2009 quando se uniu ao diretor Michael Gracey para trabalhar em um musical inédito, contando a vida de P.T. Barnum, que ganharia o nome de O Rei do Show.
Interpretado por Jackman, Barnum encanta com seus sonhos, força de vontade e empenho em construir um mundo melhor para ele, sua família e também para os excluídos pela sociedade. E como em um musical, a história é levada de forma leve, com vários diálogos-chave em meio a cantoria e dança.
E falando em dança, as coreografias são contagiantes, como na cena em que Jackman canta com Michelle Williams enquanto os lençóis dançam com a noite de Nova York ao fundo. Ou a cena em que convence Philip Carlyle, um playboy vivido por Zac Efron, em meio a drinks bem servidos, a vir trabalhar no Circo.
Claro que as músicas gravadas em estúdio auxiliam o processo, já que os atores podem se dedicar mais aos movimentos diferentemente do que aconteceu no último musical de Jackman, Les Misérables, onde todos cantaram ao vivo.
Mas se a história principal e as músicas funcionam, outras são deixadas completamente de lado. Primeiramente, as “aberrações” do show são apenas um segundo plano e mesmo os confrontos entre intolerantes e os artistas são superficiais e rápidos. Nem outro problema do século 19, o racismo, é explorado direito e não se entende muito bem porque Zendaya e seu irmão tenham se interessado pelo anúncio de convocação “gente estranha”. Como contraponto, a cultura popular e erudita é discutida a todo momento, tal como um Amadeus contemporâneo.
Nessa discussão surge Rebecca Ferguson como Jenny Lind, uma incrível soprano sueca que é convidada por Barnum para uma turnê pelos Estados Unidos. E Never Enough, a música cantada por Loren Allred, é um dos pontos altos do filme.
O Rei do Show é um filme que vale a pena, que encanta pela trilha sonora e também que vai deixar uma bonita história da superação de um homem que queria chegar lá, mesmo que seja completamente falsa.
Nem tudo, mas se tem uma coisa que Phineas Taylor Barnum não foi, é um bom exemplo.
Sabe as cenas em que ele usa a escritura dos navios afundados como garantia e que ele manda os seus artistas embora para que não se encontrem com a alta sociedade? Ele era mais como nessas cenas e menos como quando pensa que pode mudar o mundo.
O empresário do ramo do entretenimento é conhecido como o primeiro homem a ficar rico com o show business, mas diferentemente do filme, suas apresentações estavam longe de ser inclusivas e o termo fake se aplica muito bem ao que ele apresentava. Em seu teatro, exibia curiosidades como a Sereia de Fiji [uma montagem de cauda de peixe com tronco e cabeça de macaco], uma mulher com 163 anos de idade e Zip, o Cabeça de Pino, um homem com microcefalia que era exibido em uma jaula.
Também estavam em seu “elenco de aberrações” os personagens que aparecem no filme como Tom Polegar, Mulher Barbada, os gêmeos Siam e o Homem Cão.
E se o show é muito bonito no filme com todo mundo cantando e dançando, na vida real deveria ser muito triste e sensacionalista, com cada número sendo anunciado com “vocês vão ver o terrível…” e “se prepare para morrer de medo com…”.
O filme também apresenta Barnum como o pioneiro dos freak shows, mesmo que pessoas como os gêmeos siameses Lazarus e Joannes Colloredo e Matthias Buchinger, um artista que nasceu sem as mãos e os pés, já fizessem sucesso na Europa nos séculos 17 e 18. O filme faz parecer também que o showman foi o homem que “inventou” o circo quando ele oficializa o termo criado por Philip Astley em 1768 para o seu show e de ter sido o primeiro a pensar na solução de Joshua Purdy Brown que em 1825 decidiu fazer seus shows em um terreno sob uma lona com mastro principal.
Mas também não podemos deixar de falar das coisas bacanas que Phineas realizou. Além de ter saído da miséria e se tornado um milionário, ele realizou inúmeras palestras sobre temperança, seu museu foi o primeiro a ter um aquário nos Estados Unidos, foi prefeito de Bridgeport, onde trabalhou no saneamento básico, iluminação e fundamental na fundação do hospital da cidade.
Além disso, como deputado, discursou durante a ratificação da 13ª Emenda Constitucional [sobre a escravidão]: “Uma alma humana não deve ser minimizada. Ela pode habitar o corpo de um chinês, um turco, um árabe ou um hotentote – ela ainda assim é um espírito imortal!”.